Contribuintes paulistas conseguiram um importante precedente no Supremo Tribunal Federal (STF) para limitar os efeitos de um decreto do Estado de São Paulo que acabou com benefício fiscal do ICMS. A 1ª Turma da Corte, formada por cinco ministros, decidiu que a norma, editada no fim de abril de 2019, só poderia ter começado a valer em janeiro do ano seguinte.
A decisão beneficia uma empresa do ramo de medicina veterinária. Agora, poderá utilizar aproximadamente R$ 2 milhões em créditos do imposto que havia sido obrigada a estornar por imposição da regra.
O alvo da disputa é o Decreto nº 64.213, editado em 30 de abril de 2019. Pela norma, os contribuintes perderam a possibilidade de aproveitar créditos de ICMS decorrentes de compras de insumos agropecuários isentos do imposto. A restrição passou a valer a partir do dia seguinte à publicação – 1º de maio.
Muitas empresas questionaram no Judiciário a revogação do benefício fiscal, que perdurou por 19 anos. De acordo com a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo, são pelo menos 108 ações em andamento.
Duas teses são discutidas, segundo o órgão. Os contribuintes contestam a legalidade da revogação, que foi feita por decreto e não por lei. E alegam que a medida violaria os princípios da anterioridade anual (validade a partir do exercício financeiro seguinte ao da publicação da norma) e nonagesimal (prazo de 90 dias). Previstas na Constituição, as regras devem ser aplicadas juntas e pretendem evitar surpresas para o contribuinte com criação ou aumento de tributos.
A decisão da 1ª Turma do Supremo analisou a validade da extinção imediata do benefício fiscal. Os ministros analisaram se a revogação do incentivo constituiu majoração indireta de tributo, o que obrigaria o Estado a observar as anterioridades anual e nonagesimal.
O placar foi apertado: três votos a dois. Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso. Ele discordou do relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, para quem a revogação de benefício fiscal não seria majoração de tributo. Dessa forma, não haveria necessidade de o Estado jogar os efeitos do decreto para o ano seguinte ao da publicação.
Segundo Moraes, esse entendimento estaria em linha com precedente do ano de 2008 na ADI 4016. Naquela ocasião, o Supremo definiu que a redução ou extinção de desconto para pagamento de imposto sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode ser equiparada a aumento de tributo. A ministra Cármen Lúcia concordou com o relator.
Para Barroso, porém, esse precedente estaria superado. De acordo com o voto do ministro, a jurisprudência do Supremo tem se consolidado para reconhecer a necessidade de respeito à anterioridade anual e à noventena diante de aumento indireto de tributo, como a revogação de benefício fiscal.
“A anterioridade tributária visa a assegurar a previsibilidade da carga tributária, protegendo a segurança jurídica, a não surpresa e a confiança legítima. Por isso, também deve ser aplicada à revogação ou alteração de benefício fiscal, conforme já reconhecido por esta Corte”, afirma Barroso, que redigiu o acórdão.
A posição foi seguida pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Dias Toffoli, que afirmou ter aderido à corrente majoritária no STF depois de decidir de forma desfavorável à tese dos contribuintes.
A Procuradoria Geral do Estado, em nota ao Valor, afirma que não recorrerá da decisão. A discussão sobre a legalidade do decreto, por outro lado, continua viva. A PGE diz que o TJSP tem entendido pela possibilidade de utilização de decreto para regular a matéria, em linha com o decidido pelo STF na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 198.
“Apesar de improváveis, eventuais decisões afastando a aplicação do decreto por violação ao princípio da legalidade seguirão sendo objeto de recurso”, afirma a procuradoria.
Fonte: Valor Econômico