Descubra o que é tributação, seus tipos e como ela impacta empresas e cidadãos no Brasil. Artigo completo sobre o sistema tributário
No sistema tributário brasileiro, a arrecadação do Estado é feita por meio da tributação, cujo objetivo é financiar os gastos da máquina pública. Esse processo é central e indispensável ao funcionamento do Estado. Os recursos financeiros provenientes da atividade arrecadatória, ou seja, da cobrança de tributos, dão capacidade financeira ao governo e possibilitam o financiamento das atividades públicas.
Dada a relevância e a centralidade da tributação para o funcionamento do Estado, é de extrema importância que todo o processo esteja previsto em lei, para garantir o recolhimento correto dos tributos e assegurar o direito dos contribuintes.
Apesar dos esforços para regulamentar e aperfeiçoar o sistema tributário nacional, a realidade é outra. Hoje, os brasileiros enfrentam uma tributação complexa que, muitas vezes, demanda a contratação de equipes inteiras e consultorias para auxiliar na compreensão da legislação e dos procedimentos fiscais.
Nesse cenário de extrema complexidade, a reforma tributária, aprovada em dezembro de 2023, surge como a principal medida para solucionar o problema. Neste artigo, o JOTA explica o funcionamento do sistema tributário brasileiro, focando nas novas regras e nos conceitos básicos sobre os tipos de tributos.
Tributação: por que o Estado cobra e como isso afeta o contribuinte
O Estado não é gerador de renda; ele é arrecadador. A esmagadora parcela de sua riqueza advém da arrecadação de tributos, cobrados sobre diferentes atividades e fontes de renda da sua população.
Independentemente da natureza, praticamente todos os serviços ou produtos são tributados. Por exemplo, na conta de energia, há a cobrança de: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
A legitimidade dessa cobrança está justificada na finalidade do processo de tributação, que pode ser dividida principalmente em:
Financiamento das atividades do Estado: como o pagamento dos salários dos servidores e o custeio de serviços públicos nas áreas de saúde, educação, segurança, previdência, entre outras.
Promoção da justiça social e da redistribuição de renda: por meio da cobrança de tributos progressivos sobre contribuintes com maior poder aquisitivo e do uso da verba arrecadada em políticas que beneficiam as pessoas mais pobres.
Poder de regulação do mercado e da economia: os tributos podem ser usados como mecanismos de controle da inflação, de incentivo ao crescimento econômico e de distribuição de recursos. Ou ainda, como forma de desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde, à sociedade ou ao meio ambiente.
Em 2024, segundo dados divulgados pelo Tesouro Nacional brasileiro, a carga tributária do país representou 33,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso coloca o Brasil entre as maiores nações arrecadadoras do mundo e a nação com a maior carga tributária da América Latina, conforme o período apurado.
Apesar dos encargos elevados, a população nem sempre se beneficia do investimento da arrecadação de forma adequada. É o que aponta a pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que avaliou o Índice de Retorno ao Bem-Estar da Sociedade (IRBES) no ano de 2023. Dentre os 30 países analisados com as maiores cargas tributárias do mundo, o Brasil é o que menos registra retorno para a sociedade.
Conceito e tipos de tributos
Nos termos do artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN), o conceito de tributo é: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Bianca Xavier, professora de Direito Tributário da FGV-Rio, explica os elementos do conceito de tributo previsto pelo CTN:
Prestação: o tributo é uma prestação, ou seja, ele liga o cidadão ou a empresa ao Estado por meio do dever de um pagamento.
Pecuniária: o tributo é, por excelência, uma prestação a ser paga em dinheiro.
Compulsória: é irrelevante a vontade da empresa ou do cidadão de pagar o tributo. O tributo é uma imposição legal, sendo o seu adimplemento obrigatório.
Em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir: o tributo pode ser fixado em reais ou em indexadores financeiros, como UFIR ou UFERJ. Há quem entenda que essa expressão permite, inclusive, o pagamento de tributos com bens e serviços.
Que não constitua sanção de ato ilícito: o tributo não é uma resposta jurídica a um comportamento indevido de um particular. Paga-se tributo em razão de ter renda, veículos, pela comercialização de bens e serviços ou por serviços prestados pela Administração Pública. Não é legítima a cobrança de um tributo tendo como causa o fato de o contribuinte ter infringido alguma norma (por exemplo, a cobrança de um tributo por jogar lixo na rua ou passar trote ao corpo de bombeiros).
Partindo do conceito geral, tanto a Constituição Federal quanto o Código Tributário estabelecem os tipos de tributos que podem ser criados, suas peculiaridades e finalidades:
Tipo de tributo: Impostos
Base legal (CF/88): Artigos 145, 153, 155, 156, 156-O e 154
Conceito e exemplos: É o tributo devido sem que o Estado preste uma atividade ou serviço específico ao contribuinte; relaciona-se a um evento ou atividade associado ao contribuinte. Ex: Imposto de Renda (IRPF), ICMS e Imposto Sobre Serviços (ISS).
Tipo de tributo: Taxas
Base legal (CF/88): Artigo 145
Conceito e exemplos: Têm relação direta com serviços ou atividades do Estado. São devidas quando o contribuinte utiliza (ou tem o potencial de utilizar) serviços públicos específicos ou em decorrência do exercício do Poder de Polícia (fiscalização e vigilância). Ex: taxa de coleta de lixo e taxa de fiscalização sanitária.
Tipo de tributo: Contribuições de Melhoria
Base legal (CF/88): Artigo 145
Conceito e exemplos: São devidas sobre a valorização de um imóvel em razão de obras públicas realizadas pelo Estado. A finalidade é que os proprietários beneficiados contribuam com o custo da obra. Ex: valorização por construção de metrô ou viaduto
Tipo de tributo: Empréstimos Compulsórios
Base legal (CF/88): Artigo 148
Conceito e exemplos: São tributos cobrados, excepcional e temporariamente, para o Estado atender a despesas extraordinárias (guerra, calamidade pública) ou investimento público urgente. O contribuinte é obrigado a “emprestar” recursos, com garantia de devolução futura. Ex: empréstimos cobrados durante crises econômicas.
Tipo de tributo: Contribuições Especiais
Base legal (CF/88): Artigo 149 e 195
Conceito e exemplos: Criadas para financiar atividades estatais ou setores específicos. Dividem-se em: Contribuições Sociais (previdência, PIS/COFINS), CIDE (regulação econômica) e Contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas (anuidades OAB/CRM).
Impostos, taxas e contribuições: os diferentes caminhos da cobrança no Brasil
Dentre os tributos apresentados, os principais são os impostos, contribuições e taxas. Eles estão presentes no dia a dia das pessoas, ainda que, muitas vezes, passem despercebidos.
São exemplos comuns: o Imposto Sobre Serviços (ISS) cobrado sobre as corridas de carros de aplicativo e sobre a assinatura de serviços de streaming; os descontos de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e da Contribuição destinada à Previdência Social (INSS) destacados no contracheque; a tributação sobre os juros de empréstimos bancários (Imposto sobre Operações Financeiras – IOF); e as taxas cobradas para emissão de passaporte e Registro Civil, entre tantos outros.
Contudo, essas modalidades se diferenciam quanto à justificativa da cobrança e à destinação dada à arrecadação.
A professora de Direito Tributário da FGV-Rio, Bianca Xavier, explica: “O imposto é cobrado por um fato do contribuinte, e o valor arrecadado não tem destinação específica. No caso das taxas, a cobrança é feita por um ato do Estado, seja um serviço público específico ou o exercício do Poder de Polícia, e o valor arrecadado deve ser destinado a cobrir os custos dessa atuação estatal. Já as contribuições especiais, assim como os impostos, normalmente estão relacionadas a um fato do contribuinte, mas se diferenciam quanto à destinação específica.”
Essas distinções podem ser observadas na prática. Por exemplo, embora o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) partilhem do mesmo fato tributável — o lucro líquido das pessoas jurídicas —, ambos possuem destinações distintas. Enquanto o IRPJ arrecadado pode ser investido em qualquer área da atividade pública, a arrecadação da CSLL deve, necessariamente, ser investida em Seguridade Social (incluindo aposentadoria, assistência social e saúde pública), conforme previsto no art. 1º da Lei 7.689.
Outro exemplo é a Taxa de Coleta de Lixo. Diferentemente dos impostos e contribuições, ela é vinculada a custear os serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final de resíduos. É devida somente pelos proprietários de imóveis localizados em local onde o serviço é disponibilizado.
Tributos diretos e indiretos: o repasse do ônus
Além disso, os tributos também podem ser classificados como diretos ou indiretos.
São tributos indiretos aqueles que incidem sobre produtos e serviços, segundo pressupõe o artigo 166 do CTN, e que devam ser embutidos no preço e repassados ao próximo sujeito da cadeia de consumo. É o caso do ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins.
A professora Bianca esclarece que, nos tributos indiretos, “a lei manda eu repassar no preço do produto”. E acrescenta: “É obrigatório, por lei, que o consumidor final arque com o ônus financeiro. Mas quem recolhe o tributo é a empresa.”
Já aqueles que não incidem sobre fatos da cadeia de consumo e para os quais não há previsão legal determinando o repasse direto do tributo ao próximo da cadeia são tributos diretos. É o caso dos que recaem sobre:
Lucro: IRPJ, IRPF, IRRF;
Folha de pagamento: Contribuição ao INSS;
Propriedade: IPTU;
Operação financeira: IOF;
Transferência de direito e propriedade: ITBI e ITCMD, entre outros.
Consumo, renda e patrimônio: quem paga mais imposto no Brasil?
O sistema tributário brasileiro foca em três bases de incidência: consumo, renda e patrimônio. Esses são fatos geradores com naturezas jurídicas distintas que representam os principais meios de arrecadação do Estado. Essas diferentes formas de tributação impactam os contribuintes em áreas diversas, podendo afetar o desempenho de negócios e a economia como um todo.
Tributação do consumo
A tributação do consumo exerce grande influência sobre a inflação e a economia em geral, pois recai sobre produtos e serviços de toda natureza, como é o caso de alimentos e fretes (tributados pelo ICMS) e a contratação de profissionais liberais (tributada pelo ISS). Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), explica que esse tipo de tributo “inclui impostos federais, estaduais e municipais, que geralmente estão embutidos no preço pago pelo consumidor” e, por isso, é suportado pelo último elo da cadeia de consumo.
Tributação da renda
Já a tributação da renda incide sobre os ganhos e proventos auferidos por empresas e pessoas durante o período estabelecido pela Receita Federal. Para exemplificar os tributos que recaem sobre a renda, Carlos Pinto menciona: “O Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) segue uma tabela progressiva, ou seja, quem ganha menos paga menos ou até mesmo é isento, enquanto as faixas de renda mais altas enfrentam alíquotas superiores, podendo chegar a cerca de 27,5% na faixa máxima de tributação. Para empresas, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) normalmente tem uma alíquota base de 15%, com adicional de 10% sobre o lucro trimestral que superar determinado valor. Existem regimes diferenciados como o lucro presumido e o lucro real, que variam conforme o porte e o ramo da empresa.”
Tributação do patrimônio
Quanto à tributação do patrimônio, ela “abrange impostos relacionados à posse ou transmissão de bens”, afirma o diretor do IBPT. Como exemplos práticos desse formato, ele menciona o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) cobrado sobre a propriedade de imóveis urbanos, assim como o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cobrado sobre a propriedade de veículos.
Justiça social e desigualdade no sistema tributário
Nesse contexto, é importante analisar as três principais bases tributadas sob a ótica da justiça social. Para o professor de Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Lucas Bevilacqua, a tributação sobre o consumo é predominante no sistema tributário brasileiro, agravando as desigualdades sociais ao aplicar os tributos de forma regressiva: “quem pode menos, paga mais!”.
Ele exemplifica seu entendimento a partir da cobrança de ICMS sobre itens da cesta básica: “Na medida em que o arroz integra o cardápio tanto de famílias mais abastadas quanto das mais carentes, com a mesma alíquota de ICMS, o ônus tributário é mais oneroso a famílias carentes, ou seja, com menor capacidade contributiva.”
Em relação às desigualdades, o especialista do Ibmec afirma que os efeitos dos tributos sobre as desigualdades sociais variam conforme a base tributária.” Para ele, a tributação sobre o consumo tende a acentuar as desigualdades sociais, mas o oposto é verificado na cobrança dos tributos sobre a renda e o patrimônio. Se forem cobrados progressivamente, em função do valor da renda, como é o caso do IRPF, “podem reduzir desigualdades porque cobram uma percentagem maior de quem tem mais capacidade contributiva.”
Quanto aos tributos sobre patrimônio, como IPTU, IPVA e ITCMD, “também ajudam a combater o acúmulo excessivo de riqueza, principalmente quando aplicados com alíquotas mais altas para grandes fortunas e propriedades de maior valor”, conclui Carlos Pinto.
Como funciona o sistema tributário brasileiro
O conjunto de regras que regulamentam o processo de tributação no Brasil recebe o nome de Sistema Tributário Nacional. Esse grupo de dispositivos legais é organizado por ordem hierárquica e é responsável por estabelecer os procedimentos para instituição, cobrança, arrecadação e destinação dos tributos, em suas respectivas áreas de competência.
Hierarquia normativa do sistema tributário
A Constituição Federal é a lei maior do ordenamento jurídico brasileiro. Nela, estão dispostas as regras-base, as premissas e os princípios norteadores do sistema tributário. A matéria tributária é tratada, principalmente, no Capítulo I (“Do Sistema Tributário Nacional”) do Título VI (“Da Tributação e do Orçamento”), além de outras disposições esparsas.
Na escala hierárquica do sistema jurídico tributário, abaixo da Constituição, estão o Código Tributário Nacional (CTN) e as leis complementares, responsáveis por instituir os tributos e regulamentar as normas gerais. Na sequência, as leis ordinárias trazem regras específicas sobre cada tipo de tributo, e os decretos detalham ainda mais a especificidade de cada um. Cada diploma trata da regulamentação que lhe cabe dentro dos limites e das regras previstas pelos diplomas de ordem superior.
Divisão de competências na Federação
O sistema tributário decorre do sistema federativo. O texto constitucional dividiu, entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, a competência para tributar e legislar sobre tributos, conforme a seguinte regra:
União (artigo 153 da CF/88): detém competência para instituir o Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto de Renda (IRPF e IRPJ), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). A União também detém a competência para instituir a maioria das Contribuições, conforme artigos 149 e 195 da CF/88.
Estados (artigo 155 da CF/88): Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Municípios (artigo 156 da CF/88): Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto sobre Serviços (ISS).
O Distrito Federal pode assumir tanto competências estaduais quanto municipais.
A complexidade da tributação do consumo
Lucas Bevilacqua, professor de Direito Tributário do IBMEC-DF, chama a atenção para a fragmentação da organização das competências entre os entes da federação, sobretudo em relação à tributação sobre o consumo. Para ele, a base fragmentada é um dos grandes gargalos do sistema tributário atual.
Isso ocorre porque diferentes entes podem tributar o consumo, de acordo com a natureza do item. O professor explica: “A União cobra o IPI e as Contribuições para o PIS/Cofins; os estados, o ICMS; e os municípios, o ISS.” Essa fragmentação pode gerar conflitos sobre qual tributo é devido, como ocorreu na tributação de softwares, em que se discutiu a cobrança de ISS ou ICMS, acrescenta.
Além disso, o professor também cita outros fatores que tornam o sistema tributário brasileiro mais complexo, como a existência de diferentes regimes de tributação para os mesmos tributos (ex: regimes cumulativos, não cumulativo e monofásico do PIS/Cofins). Outro fator é o sistema de creditamento dos tributos pagos nas etapas antecedentes, que está sujeito a diferentes regras e exceções, a depender do produto ou serviço tributado.
O grau de dificuldade fica ainda mais evidente quando comparado aos sistemas adotados por outros países. O professor Bevilacqua apresenta o exemplo dos países europeus, que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). “Essa sistemática permite que o imposto pago nas etapas antecedentes possa ser compensado com o imposto devido nas etapas subsequentes.” Ele também comenta sobre o caso dos Estados Unidos, que “tributam o consumo pelo Imposto sobre Vendas (Sales Tax), incidente apenas na venda final ao consumidor. É muito simples de aplicar, mas também possui os seus problemas, sobretudo no que diz respeito à sonegação.”
Nenhum sistema é perfeito e contém seus defeitos; no entanto, na visão do professor, o Brasil tem a tributação sobre consumo mais complexa do mundo.
Complexo, caro e desigual: os principais desafios da tributação no Brasil
O contexto apresentado mostra que navegar pelo universo dos tributos não é uma tarefa fácil. Os contribuintes vivem no escuro, tentando decifrar a lei, o posicionamento das receitas fazendárias e dos tribunais, na missão quase impossível de ter certeza sobre qual tributo e qual valor devem recolher.
Os gargalos do sistema tributário brasileiro
Dentre as principais dificuldades do sistema tributário atual, conforme já mencionado, os destaques são:
O excesso de tributação sobre o consumo em caráter regressivo;
A falta de celeridade no processo de apuração e recolhimento dos tributos;
O excesso de legislação ambígua;
As altas cargas tributárias sem o devido retorno à sociedade.
Impactos da cumulatividade e guerra fiscal
O presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, também acrescenta as dificuldades do regime cumulativo ao cenário de onerosidades tributárias.
Ele explica que o regime cumulativo não permite a obtenção de créditos tributários decorrentes de operações feitas anteriormente à venda, gerando uma incidência em cascata dos tributos em todas as etapas da cadeia econômica. Para João Eloi, “a cumulatividade é extremamente danosa aos contribuintes, que arcam, na grande maioria das vezes, com o custo final de todas essas operações ao adquirir bens e serviços como consumidor final.”
O especialista do IBPT também menciona os impactos oriundos da guerra fiscal. A competição entre estados ou municípios para atrair empresas, investimentos e geração de empregos por meio de incentivos fiscais muitas vezes se choca com interesses de outros entes públicos e resulta em conflitos jurídicos, fomentando a insegurança jurídica. “Em suma, as guerras fiscais são uma estratégia de curto prazo que distorce a alocação de recursos e perpetua desigualdades, apesar de oferecer ganhos pontuais. A visão otimista de crescimento regional é ofuscada por custos fiscais e jurídicos crescentes,” conclui Olenike.
Custo Brasil e a carga tributária
Todos esses entraves criam um sistema complexo que se traduz em alto custo e insegurança jurídica para os contribuintes. Sobre o alto valor pago em tributos, Olenike afirma que “pelo tamanho do Brasil, a carga não é excessivamente alta, mas está entre os 15 países de maior tributação sobre o PIB, comparável a alguns países ricos e em maior escala que Japão, Irlanda, Canadá e Estados Unidos.” Ele ressalta que o problema está na aplicação dos recursos arrecadados que, hoje, reflete na falta de retorno na qualidade de vida e de serviços básicos à população brasileira.
Além do ônus da carga tributária em si, apurar tributos no Brasil muitas vezes demanda a contratação de equipes inteiras e consultorias para auxiliar na análise e interpretação das leis.
Em 2021, o relatório Doing Business Subnacional Brasil, divulgado pelo Banco Mundial, mostra que as empresas brasileiras gastam até 1.501 horas para cumprir com as suas obrigações tributárias.
No estudo, que considera o tempo de preparo, declaração e pagamentos dos tributos, revela-se a desvantagem do Brasil no ambiente de negócios em relação aos países da América Latina e Caribe, que levam 20% desse tempo para cumprir suas obrigações. Para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média necessária é de apenas 159 horas.
É importante destacar que essa contagem não inclui a contratação dos serviços jurídicos de tributaristas, que, não raro, são acionados para rebater cobranças indevidas ou reivindicar direitos violados. Esse movimento em cadeia gera, cada vez mais, demandas para o contencioso tributário, sobrecarregando o Judiciário com discussões sobre a interpretação, alteração e aplicação das regras tributárias.
A mobilização da máquina pública para solucionar os conflitos de natureza tributária representa mais uma despesa ao Estado que, por sua vez, é suportada pelo dinheiro pago pelos contribuintes.
A lista de dificuldades é extensa, e isso abre uma expressiva desvantagem ao Brasil, que vê muitos investidores estrangeiros fugindo para outros mercados em razão da complexidade do sistema tributário brasileiro.
Reforma tributária: o que muda na vida de empresas e contribuintes
Mirando melhorar as falhas do atual sistema tributário, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional (EC) 132/2023, que pretende modificar a sistemática de tributação, sobretudo dos tributos cobrados sobre o consumo.
A ideia central é simplificar o processo de tributação reduzindo a quantidade de tributos, regimes e legislação, modernizar as formas de pagamento e fiscalização, e alinhar o sistema às melhores práticas internacionais, adotando, sobretudo, os princípios recomendados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O novo IVA-Dual (CBS e IBS)
O professor de Direito Tributário do Ibmec-DF, Lucas Bevilacqua, esclarece as mudanças previstas pela nova regra: “Houve a criação de uma espécie de IVA-Dual. Um IVA dividido em dois. Uma parte, consistente na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, irá substituir o PIS/COFINS. A outra, consistente no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados e Municípios, irá substituir o ICMS e o ISS.”
O novo sistema tributário também visa desonerar a cadeia de consumo em prol da justiça tributária social. Para isso, a EC 132/2023 propõe que o crédito seja amplo e garanta a neutralidade econômica. Além disso, agora, a tributação passará a ser cobrada no destino, dando fim à guerra fiscal, reforça o professor Lucas.
Nesse sentido, Thais Veiga, coordenadora do LL.M. de Direito Tributário do Insper, defende que “o modelo de IVA é muito mais eficiente do que o antigo formato de tributação do Brasil. O IVA é um tributo de base ampla e incidência plurifásica, que alcança todas as operações de consumo com menor esforço de administração pelo Fisco”.
Mudanças no patrimônio e imposto seletivo
A coordenadora do Insper lembra que a reforma tributária aprovada não se limita à tributação sobre o consumo, e também prevê algumas mudanças na tributação incidente sobre o patrimônio. Por exemplo, “a cobrança de IPVA sobre aeronaves e embarcações e a possibilidade de Municípios atualizarem o IPTU por Decreto”, confirma Veiga.
Andressa Gomes, coordenadora do curso de Gestão Tributária na FIPECAFI, acredita que as alterações significam uma vantagem comercial, que dará mais competitividade ao ambiente de negócios brasileiro e modernizará os mecanismos de arrecadação como o split payment.
A reforma tributária também cria o chamado Imposto Seletivo (IS), apelidado de Imposto do Pecado. O tributo recairá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, e será cobrado de forma progressiva à nocividade desses produtos. Ele incidirá sobre cigarros, bebidas alcoólicas e carros a combustão, por exemplo, e entrará em vigor a partir de 2027.
Regulamentação e próximos passos (Transição 2026-2033)
Em janeiro deste ano, foi aprovada a Lei Geral de regulamentação do IBS, CBS e IS: a Lei Complementar 214/2025. O diploma, no Capítulo III, Seção V – Disposições Transitórias, prevê as disposições sobre o processo de transição para o novo sistema tributário, que acontecerá de forma gradual, iniciando em 2026 e finalizando em 2033.
A coordenadora da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), Andressa Gomes, destacou o Projeto de Lei 108/2024, em trâmite no Congresso, que trata da instituição do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS). Ou seja, está em discussão como será definido o processo administrativo para resolver disputas relativas ao IBS, como o dinheiro arrecadado será distribuído entre os Estados e Municípios, dentre outras regras do novo imposto.
Por fim, vale lembrar que ainda existem outros Projetos de Lei, em debate no Congresso, que pretendem reformular outras áreas do sistema tributário atual. É o caso dos Projetos de Lei 2337/2021, 307/2021 e 1087/2025, que pretendem fazer modificações na tributação sobre a renda, sobretudo em relação à cobrança de Imposto de Renda sobre dividendos.
O cenário tributário brasileiro e o caminho da reforma
A tributação no Brasil é um tema urgente, complexo e central à vida dos brasileiros. Abaixo, estão resumidos os pontos essenciais abordados pelo JOTA que definem o sistema tributário brasileiro, seus gargalos e a necessidade transformação:
1. Definição e Tipos de Tributos: A tributação é a forma pela qual o Estado arrecada recursos para financiar a máquina pública. A diferença crucial entre as modalidades de cobrança: os Impostos (cobrados sobre fatos relacionados ao contribuinte e sem destinação específica), as Taxas (vinculadas a serviços públicos específicos ou ao Poder de Polícia) e as Contribuições (com destinação definida, como a Seguridade Social).
2. Estrutura e Desafios: A estrutura legal e hierárquica do Sistema Tributário Nacional, regido pela Constituição Federal e pelo CTN, e a divisão de competências entre União, Estados e Municípios. Foi constatado que o atual modelo é marcado por problemas crônicos: a alta carga tributária (especialmente a regressiva sobre o consumo), a cumulatividade que onera a cadeia de produção e a extrema complexidade legal, que resulta em insegurança jurídica e sobrecarrega o poder judiciário. Observou-se, também, a forte incidência do modelo sobre o consumo, em detrimento da renda e do patrimônio, agravando as desigualdades sociais.
3. Perspectivas de Reforma Tributária: A Emenda Constitucional 132/2023 surge como a resposta a esses desafios. A principal mudança estrutural é a substituição da pluralidade de tributos sobre o consumo existentes hoje, pelo IVA-Dual (o CBS e o IBS). Ainda, a reforma prevê a introdução do Imposto Seletivo (IS) para desestimular o consumo de bens e serviços nocivos à saúde, e a transição para a cobrança dos tributos no destino, visando o fim da guerra fiscal e maior justiça tributária social. Com a aprovação da Lei Complementar 214/2025 e o cronograma de transição até 2033, o Brasil inicia o caminho para modernizar seu mecanismo de arrecadação e melhorar seu ambiente de negócios.
Apesar da evolução, é evidente que a discussão sobre o futuro fiscal do país está apenas começando, com projetos de lei sobre a tributação sobre a renda ainda em debate no Congresso.
Fonte: JOTA