O número de ações trabalhistas voltou a crescer no Brasil, reacendendo um alerta entre empresas e profissionais de gestão. Após anos de queda impulsionada pela Reforma Trabalhista de 2017, os tribunais registram uma retomada acelerada da litigiosidade, com impacto direto nos custos operacionais das organizações. Administrar esse contencioso tornou-se um dos maiores desafios para executivos, gestores de recursos humanos e departamentos jurídicos, que enfrentam uma nova onda de processos envolvendo vínculos precários, pejotização, terceirização e denúncias de assédio. Em meio a mudanças jurisprudenciais e à flexibilização do acesso à Justiça, entender o que está por trás desse movimento é essencial para quem atua na linha de frente das relações de trabalho.
Com efeito, após a queda abrupta no número de ações trabalhistas provocada pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), observa-se uma retomada significativa a partir de 2021, culminando em um crescimento expressivo em 2024. Este artigo analisa os fatores jurídicos, econômicos e sociais que explicam esse fenômeno, com base em dados oficiais do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da imprensa especializada e da literatura acadêmica. Também são discutidos os impactos para empresas e para o Judiciário, bem como o papel da pejotização, terceirização, assédios e gratuidade da Justiça.
1. Introdução
A Reforma Trabalhista de 2017 representou uma inflexão no sistema jurídico trabalhista brasileiro. Com o objetivo declarado de modernizar as relações de trabalho e reduzir a litigiosidade, a nova legislação impôs barreiras ao acesso à Justiça, como a obrigatoriedade de comprovação da hipossuficiência e o risco de condenação em honorários sucumbenciais. Como resultado, o número de ações ajuizadas caiu drasticamente em 2018. No entanto, a partir de 2021, observa-se uma retomada gradual, que se intensifica em 2024. Este artigo busca compreender os fatores que explicam esse movimento, articulando dados estatísticos, decisões judiciais, variáveis econômicas e impactos institucionais.
2. Evolução estatística das ações trabalhistas
Segundo o relatório Justiça em Números do CNJ, foram distribuídas 3,6 milhões de novas reclamações trabalhistas em 2024, representando uma alta de 19% em relação a 2023. Esse volume é o maior desde 2017, quando foram registradas cerca de 3,68 milhões de ações.
Ainda, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o número de processos distribuídos na Justiça do Trabalho apresentou a seguinte evolução:
Ano | Processos Distribuídos | Observações |
2017 | 2.400.000 | Estabilização após a Reforma Trabalhista |
2018 | 2.300.000 | Pequena queda devido à aplicação inicial da Reforma |
2019 | 2.500.000 | Retomada leve, com impacto de disputas sobre terceirização |
2020 | 2.700.000 | Aumento devido a demissões emergenciais e medidas temporárias da pandemia |
2021 | 3.000.000 | Crescimento contínuo, aumento de demandas sobre teletrabalho e verbas rescisórias |
2022 | 3.100.000 | Pequena desaceleração no final do ano |
2023 | 3.250.000 | Crescimento puxado por contratos temporários e pejotização |
2024 | 3.400.000 | Estabilização em patamar elevado, acima dos níveis pré-Reforma |
Fontes: CNJ, Justiça em Números 2017‑2025; TST, Relatórios Estatísticos 2017‑2025.
2.1 Montante econômico envolvido
O valor médio das reclamações trabalhistas também aumentou, refletindo demandas por verbas rescisórias, horas extras, FGTS, assédio e reconhecimento de vínculo. Estimativas recentes indicam:
- 2019: aproximadamente R$ 22 bilhões em pedidos totais no país.
- 2021: cerca de R$ 28 bilhões, impactado pelo volume de rescisões e ações sobre teletrabalho.
- 2023: estimativa de R$ 32 bilhões, considerando aumento de ações envolvendo terceirização, pejotização e plataformas digitais.
Esses montantes incluem tanto os valores requeridos pelos trabalhadores quanto possíveis indenizações e ajustes decididos judicialmente.
3. Principais temas das ações trabalhistas
3.1 Rescisão contratual
- Representa a maior parte das ações distribuídas.
- Inclui verbas rescisórias não pagas, FGTS, férias, 13º salário e aviso prévio.
- Crescimento impulsionado por demissões em massa e crises econômicas.
3.2 Horas extras e jornada
- Ações sobre horas trabalhadas além do contrato ou jornada 12×36.
- Teletrabalho trouxe aumento significativo, com demandas sobre controle de jornada, banco de horas e direito à desconexão.
3.3 Assédio moral e discriminação
- Inclui bullying corporativo, assédio sexual e discriminação de gênero, raça ou idade.
- Crescente conscientização resultou em aumento de ações, principalmente em empresas de médio e grande porte.
3.4 Reconhecimento de vínculo
- Trabalhadores contratados como PJ ou terceirizados pleiteiam direitos trabalhistas.
- Crescimento acentuado em plataformas digitais, tecnologia e serviços especializados, devido à pejotização e terceirização irregular.
3.5 Terceirização e pejotização
- Terceirização: aumento de ações por reconhecimento de vínculo com a empresa tomadora.
- Pejotização: trabalhadores contestam contratos como PJ quando a relação de trabalho configura vínculo empregatício.
- Tendência crescente desde 2018, especialmente em startups e empresas de tecnologia.
3.6 Justiça gratuita
- Facilita acesso à Justiça, permitindo que trabalhadores de baixa renda ingressem com ações sem custas, e contribui para aumento do volume processual, pois elimina barreiras financeiras
4. Fatores jurídicos e jurisprudenciais
4.1 Decisão do STF sobre gratuidade (ADI 5766)
Em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5766, invalidando dispositivos da Reforma Trabalhista que obrigavam beneficiários da justiça gratuita a pagar honorários periciais e advocatícios em caso de derrota na ação.
4.2 Mudança na interpretação da hipossuficiência
Em 2024, o TST passou a aceitar a autodeclaração de pobreza como suficiente para concessão da gratuidade judiciária, sem necessidade de comprovação documental. Isso ampliou o acesso à Justiça do Trabalho, especialmente para trabalhadores informais e de baixa renda.
4.3 Reinterpretação da Reforma Trabalhista
A jurisprudência tem se afastado de interpretações rígidas da Reforma, especialmente em temas como horas extras, adicional de periculosidade e vínculo empregatício.
5. Fatores econômicos e sociais
5.1 Aquecimento do mercado de trabalho
Segundo o CAGED, houve crescimento de 9,3% nas demissões em 2024, o que aumentou a rotatividade e os conflitos trabalhistas.
5.2 Precarização: pejotização, terceirização e contratos flexíveis
Modelos como pejotização, terceirização ampla e contratos intermitentes se expandiram nos últimos anos. Embora promovam flexibilidade para as empresas, esses vínculos geram insegurança jurídica e disputas sobre vínculo empregatício, verbas rescisórias e direitos básicos.
5.3 Inflação e perda do poder de compra
Com a inflação acumulada acima de 5% ao ano em 2023 e 2024, muitos trabalhadores passaram a questionar reajustes salariais, adicionais e benefícios não pagos, o que gerou aumento de ações por diferenças salariais e verbas rescisórias.
5.4 Aumento de ações por assédio moral e sexual
Ambientes de trabalho com hierarquias rígidas, metas abusivas e ausência de canais internos de denúncia têm contribuído para o crescimento de ações por assédio moral e assédio sexual, especialmente em setores como varejo, saúde e tecnologia.
5.5 Cultura de judicialização
A Justiça do Trabalho continua sendo vista como um canal acessível e eficaz para resolução de conflitos, especialmente em momentos de crise econômica e desemprego. A confiança institucional permanece elevada, mesmo após a Reforma.
6. Impactos para empresas e para o Judiciário
6.1 Para empresas
• As empresas pagaram R$ 48,7 bilhões em sentenças trabalhistas em 2024, valor 18% superior ao de 2023.
• Aumento dos custos com defesa jurídica, acordos judiciais e indenizações.
• Maior exposição em setores com vínculos precários e alta rotatividade.
6.2 Para o Judiciário
• Retomada da sobrecarga processual, especialmente nas Varas do Trabalho das capitais.
• Pressão por modernização tecnológica, concursos públicos e revisão de fluxos processuais.
• Reforço da atuação institucional do TST e dos Tribunais Regionais.
7. Conclusão
O crescimento das ações trabalhistas a partir de 2021, e especialmente em 2024, não representa um retrocesso, mas sim uma retroalimentação do sistema jurídico às novas demandas sociais e econômicas contemporâneas. A flexibilização jurisprudencial, aliada às novas relações de trabalho, reacendeu o protagonismo da Justiça do Trabalho como instrumento de proteção social. Todos esses fatores revelam novas frentes de conflito que exigem atenção das empresas, do Judiciário e dos formuladores de políticas públicas.