ÁREA ECONOMIA, NEGÓCIOS E O DIREITO – REFLEXOS E IMPACTOS
A Reforma Tributária – ponto e contraponto: Uma análise factual e divergente
Muitos economistas e tributaristas, dentre vários outros especialistas, têm manifestado suas opiniões sobre a Reforma Tributária aprovada pelo Congresso Nacional. Todos afirmam, utilizando métodos comparativos, que a reforma é benéfica e mais adequada por simplificar e modernizar o Sistema Tributário até então vigente.
Porém, a Emenda Constitucional (EC) 132/23, que altera o Sistema Tributário Nacional, trouxe normas principiológicas de Direito Tributário, a seguir elencadas:
- Princípios do Sistema Tributário: simplicidade, transparência, justiça tributária, neutralidade, cooperação e defesa do meio ambiente – Artigo 145, parágrafo 3º.
- Previsão de que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) serão informados pelo princípio da neutralidade – Artigo 156-A, parágrafo 1º.
- Determinação para que as alterações na legislação tributária busquem atenuar efeitos regressivos – Artigo 145, parágrafo 4º.
- Vedações ao poder de tributar e limitações:
– ampliação da imunidade dos templos de qualquer culto, passando a abranger as entidades religiosas e incluir as organizações assistenciais e beneficentes religiosas;
– proibição da cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços dos correios;
– adequado tratamento tributário ao ato cooperativo;
– definição de tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive com regimes especiais ou simplificados.
Referindo-se ao III Congresso Internacional de Direito Tributário do IAT, Gustavo Brigagão[1], em artigo, reproduz os vários pontos críticos debatidos pelos presentes, sobre a reforma tributária:
Essa injustificada precipitação deu no que vimos: a aprovação de uma emenda constitucional (EC 132/23) marcada por equívocos, com a criação de:
- normas desestruturadas e topograficamente confusas, com regras sobre um mesmo tema (regimes especiais, por exemplo) sendo reguladas ora no texto constitucional (regimes específicos de tributação), ora no âmbito da EC 132/23 (regimes diferenciados), ora em ambos os textos (regimes favorecidos);
- normas tecnicamente equivocadas, como aquela que condiciona os créditos de não cumulatividade ao pagamento do imposto pelo elo anterior da cadeia; e
(c) normas inusitadas, como aquela cuja introdução no texto da PEC 45/19 ocorreu já no curso da sua votação na Câmara dos Deputados, conferindo competência aos estados para, por meio de uma esdrúxula contribuição, tributar produtos primários e semielaborados, entre eles o feijão, que integra a cesta básica…
Além desses argumentos, vamos analisar de forma pragmática, os pontos, com seus contrapontos, os impactos da reforma apresentada e aprovada, sem nenhuma pretensão de esgotá-los integralmente.
O ponto de partida é a premissa da reforma apresentada pelo Governo e aprovada no Congresso Nacional.
A Reforma Tributária trará benefícios para o País, para as empresas e, sobretudo, para todos os brasileiros e brasileiras
Apresentado o conjunto normativo pelo Executivo (projeto de lei PLP 68/24), restaram fixadas as alíquotas federal, dos estados e dos municípios
O Ministério da Fazenda estima que a alíquota de referência do novo sistema tributário será de 26,5%, sendo 8,8% da CBS (federal) e 17,7% do IBS (de competência de estados e municípios).
Essa será a alíquota padrão de referência, aplicada aos bens e serviços que não são beneficiados com algum tipo de tratamento diferenciado[2].
1 – Primeiro contraponto: O gráfico anterior evidencia que podemos ter a maior alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual comparado com a de outros países que têm sistema tributário semelhante.
E por que isso irá ocorrer?
Pergunta simples de responder, mas que os economistas, especialistas e tributaristas deixam de avaliar. As alíquotas estão sendo fixadas para manter o nível de arrecadação, verificado pelos entes federativos na economia brasileira, no patamar atual de aproximadamente 34% do PIB.
Tanto que eventuais perdas de arrecadação serão administradas pelo Comitê Gestor, um fundo de compensações a ser gerido pelo governo federal.
Ao serem fixados esses limites, verificamos um total desvirtuamento do regime jurídico do IVA. Primeiro, porque nos países utilizados pelos estudos da equipe econômica do governo não existe o IVA dual. Segundo, que os princípios que regem o IVA – os da neutralidade e da equidade horizontal (comentários a seguir) – não fixam alíquotas para suprir o nível de despesas dos estados, até porque se considera um todo e não vários estados, como no Brasil, em respeito ao Federalismo Brasileiro.
Para um melhor entendimento desse contraponto, segue a tabela da carga tributária dos últimos três anos:
Tributo |
2021 |
2022 |
2023 |
Total da Receita Tributária |
32,64% |
33,07% |
32,44% |
Tributos do Governo Federal |
19,87% |
20,59% |
20,09% |
Orçamento Fiscal |
8,74% |
9,43% |
9,11% |
Orçamento Seguridade Social |
10,72% |
10,75% |
10,57% |
Contribuição para a Previdência Social |
5,00% |
5,15% |
5,27% |
Cofins (1) |
2,99% |
2,70% |
2,64% |
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido |
1,25% |
1,55% |
1,34% |
Contribuição para o PIS/Pasep |
0,83% |
0,78% |
0,76% |
Contrib. Seg. Soc. Servidor Público – CPSS |
0,57% |
0,50% |
0,47% |
CPMF/IPMF |
nd |
nd |
nd |
Outros |
0,08% |
0,08% |
0,09% |
Demais |
0,41% |
0,41% |
0,42% |
Salário Educação (2) |
0,26% |
0,27% |
0,28% |
Cide Combustíveis |
0,02% |
0,02% |
0,01% |
Outras Contribuições Econômicas e Sociais (3) |
0,12% |
0,12% |
0,13% |
Tributos com destinação parafiscal |
1,78% |
1,82% |
1,90% |
Contribuições para o Sistema S |
0,26% |
0,27% |
0,28% |
Contribuição para o FGTS |
1,52% |
1,55% |
1,62% |
Tributos do Governo Estadual |
8,81% |
8,48% |
8,12% |
ICMS |
7,30% |
6,90% |
6,45% |
IPVA |
0,57% |
0,63% |
0,73% |
ITCD |
0,14% |
0,13% |
0,14% |
Contrib. Regime Próprio Previd. Est. |
0,50% |
0,51% |
0,47% |
Outros Tributos Estaduais |
0,30% |
0,32% |
0,32% |
Tributos do Governo Municipal |
2,17% |
2,18% |
2,32% |
ISS |
0,96% |
1,01% |
1,11% |
IPTU |
0,61% |
0,59% |
0,60% |
ITBI |
0,22% |
0,19% |
0,19% |
Contrib. Regime Próprio Previd. Mun. |
0,20% |
0,21% |
0,23% |
Outros Tributos Municipais |
0,19% |
0,19% |
0,19% |
|
|
|
|
Memo: PIB |
9.012.142,00 |
10.079.676,68 |
10.856.112,28 |
Fonte: RFB/MF, para 2021 STN.
2 – Segundo contraponto: A base de incidência é ampla, abrangendo todas as operações com bens materiais e imateriais, realizadas por pessoas jurídicas e pessoas físicas. Ou seja, todos os fabricantes de bens e prestadores de serviços de qualquer natureza – sejam pessoas jurídicas, sejam físicas, como encanadores, eletricistas, faxineiras, por exemplo (serão os contribuintes dos novos tributos)
Na Exposição de Motivos (EM) nº 00038/2024 MF[3], restou consignado:
O art. 1º institui o IBS e a CBS, tributos do tipo IVA (Imposto sobre o Valor Adicionado), adotado em mais de 170 países, que tem por características principais: (i) base ampla de incidência, abrangendo todas as operações com bens materiais e imateriais, inclusive direitos, e com serviços; (ii) creditamento do tributo pago nas aquisições realizadas no meio da cadeia, de modo que o ônus econômico recaia sobre o consumidor final; e (iii) nos modelos mais modernos, um número restrito de alíquotas reduzidas e de regimes diferenciados.
3 – Terceiro contraponto: O ÔNUS ECONÔMICO É DO CONSUMIDOR FINAL, ou seja, qualquer que seja o regime tributário aplicável na cadeia da produção, do comércio ou da prestação de serviços, com quaisquer bens (materiais e imateriais), o ônus econômico é do consumidor final.
4 – Quarto contraponto: Tanto o IBS como a CBS são submetidos ao PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE, reforçando o terceiro contraponto acerca de quem suportará o ônus dos dois tributos.
Além desse aspecto econômico, referido princípio, apesar da previsão constitucional, nunca foi adotado na legislação brasileira, e não há precedentes administrativos e judiciais sobre os contornos dele, apesar de seu impacto relevante e econômico.
O art. 2º, em linha com os modelos internacionais de IVA, estabelece que o IBS e a CBS deverão ser informados pelo princípio da neutralidade, segundo o qual esses tributos devem evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica. A partir desta diretriz, a aplicação do princípio da neutralidade pode se desdobrar em várias vertentes[4].
Dessa forma, tudo na forma veiculada, com fundamento na Base Ampla e direito do crédito fiscal em toda a cadeia da produção e comércio, até o consumidor final, temos que o consumidor pagará o IVA embutido no preço dos bens e serviços, como segue:
Com o preço do produto no produtor ou comerciante = R$ 100,00, o preço ao consumidor será de R$ 126,50
5 – Quinto contraponto: Mantém a adoção do Princípio da Não Cumulatividade, porém com aplicação de novas regras vinculadas aos fatos geradores, criando a figura do denominado CRÉDITO FISCAL, que corresponde a uma devolução dos tributos pagos na cadeia produtiva, sob condições, ou seja, somente para determinadas operações e somente para os créditos pagos sobre determinadas operações e não sobre todas as operações de aquisições de bens e serviços.
Como regra geral, o IBS e a CBS incidentes sobre a operação ao consumidor final devem corresponder aos valores recolhidos ao longo da cadeia de produção e comercialização, de modo que o ônus econômico recaia sobre o consumidor final. Conforme os modelos de IVA, o IBS e a CBS são tributos plurifásicos, incidindo sobre todas as operações com bens e serviços realizadas ao longo da cadeia, até o consumidor final. Em conjunto com a regra de incidência, e para que não haja tributação em cascata (tributo sobre tributo), aplica-se a regra do creditamento: os contribuintes no meio da cadeia têm direito a crédito correspondente aos tributos recolhidos nas suas aquisições, de modo que recolhem ao fisco somente a diferença entre o tributo incidente sobre as suas operações próprias e o tributo recolhido nas suas aquisições de bens e serviços. O creditamento se refere aos tributos que foram efetivamente pagos e corresponde, economicamente, a uma devolução desses tributos ao fornecedor, na forma de créditos.
O efeito da aplicação das regras de incidência e do creditamento faz com que o fornecedor no meio da cadeia não sofra oneração pelos tributos. De um lado, o IBS e a CBS incidentes sobre suas operações próprias foram cobrados e coletados de seus adquirentes. De outro lado, o IBS e a CBS pagos nas aquisições de bens e serviços pelo fornecedor são integralmente devolvidos por meio do creditamento. Ao desonerar os contribuintes no meio da cadeia, o creditamento evita distorções na organização dos agentes econômicos, pois a carga tributária ao consumidor final será a mesma, independentemente da forma pela qual a cadeia produtiva esteja organizada[5].
6 – Sexto contraponto: Qualquer que seja a sistemática adotada para definição do fato gerador, base de cálculo ou da alíquota, A CARGA TRIBUTÁRIA AO CONSUMIDOR FINAL SERÁ A MESMA.
A experiência internacional e as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE apontam outros desdobramentos do princípio da neutralidade. Contribuintes em situações semelhantes que realizam operações semelhantes devem estar sujeitos à tributação semelhante pelo IVA. Isso significa que o IVA deve ser isonômico em circunstâncias semelhantes, o que é conhecido na literatura como equidade horizontal[6].
7 – Sétimo contraponto: Os novos tributos serão regidos por um novo princípio: o da EQUIDADE HORIZONTAL, considerado um desdobramento do Princípio da Neutralidade – contribuintes em situações semelhantes que realizem operações semelhantes devem estar sujeitos à mesma tributação (caráter isonômico em circunstâncias semelhantes). Parece ser uma nova versão do Princípio da Capacidade Contributiva e/ou da Igualdade Tributária, ou o da Isonomia Tributária. Mas fica o questionamento: se o ônus econômico dos novos tributos recai sobre o consumidor final, qual a real finalidade desse novo princípio na cadeia da produção e distribuição?
8 – Oitavo contraponto: Se o novo sistema é válido para as operações realizadas no território nacional, e isso é o que foi aprovado pela Emenda Constitucional, qual o objetivo para constar o Princípio da Neutralidade para assegurar o tratamento tributário equivalente aos contribuintes residentes e não residentes?
Além disso, a neutralidade também pode ser aplicada no comércio internacional, ao assegurar tratamento tributário equivalente aos contribuintes residentes e não residentes[7].
9 – Nono contraponto: A Emenda Constitucional traz para o Sistema Tributário outro novo princípio – o das regras antiabuso. Será uma substituição das normas e precedentes que tratam da evasão e elisão fiscal? Ou será uma nova regra para acabar com o Planejamento Tributário? O que vem a ser e quais são essas novas regras antiabuso?
10 – Décimo contraponto: Ao tratar da base de cálculo, pela EC 132/23, são incluídas várias operações e valores de terceiros que estão sujeitos ao IBS e à CBS, evidenciando a dupla incidência inconstitucional.
Esperamos que o Congresso Nacional, por meio do Senado e da Câmara, revise todos esses pontos, para termos, efetivamente, um novo regime tributário que simplifique o sistema e seja, efetivamente, benéfico para a sociedade como um todo, fazendo com que, nas operações com bens e serviços, ao levar todo o ônus econômico e financeiro ao consumidor brasileiro, que este não financie o déficit público e que possa adquirir bens e serviços sem a alta carga tributária de 26,5%.
Dessa forma fica o questionamento:
A Reforma Tributária trará benefícios para o País, para as empresas e, sobretudo, para todos os brasileiros e brasileiras?