Uma das mudanças é que o juiz ou a autoridade administrativa poderá direcionar ordem de indisponibilidade a um único bem
Os cartórios alteraram a forma de bloqueio de imóveis, resolvendo um problema que afetava devedores. Agora, o juiz ou a autoridade administrativa pode direcionar uma ordem de indisponibilidade a um único bem. Até então, o pedido trazia apenas o CPF ou CNPJ do devedor e o bloqueio acabava recaindo sobre vários imóveis ao mesmo tempo.
Em vigor desde terça-feira, a novidade veio com uma atualização na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB). A plataforma desenvolvida pelo Operador Nacional do Sistema Eletrônico de Registro de Imóveis (ONR), a partir de agora, será de uso obrigatório para registrar todas as ordens de indisponibilidade de patrimônio imobiliário.
A indisponibilidade de bens é uma das medidas que podem ser adotadas pelo Judiciário para evitar que um devedor se desfaça do patrimônio, impossibilitando o pagamento do valor devido ao fim do processo. Antes, porém, deve-se tentar o bloqueio de dinheiro em conta, em investimentos e de veículos, segundo o artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC).
Agora, com a atualização do CNIB, o juiz pode, por meio do CPF ou CNPJ do devedor, ter a lista dos bens de sua propriedade e selecionar somente um, de valor equivalente ao da dívida discutida em juízo. Antes, não havia essa possibilidade de escolha. Usava-se o CPF ou CNPJ para bloquear todo o patrimônio do devedor, o que é particularmente prejudicial para grandes empresas.
Flaviano Galhardo, diretor-geral do ONR, avalia que a mudança vai ter um grande impacto no mercado imobiliário. “É um upgrade tremendo, principalmente na disponibilização de imóveis no mercado, o que acarreta maior volume de negócios e consequente crescimento econômico. É um ganho institucional para o cidadão, para o mercado e para o próprio Poder Judiciário”, afirma.
Segundo o ONR, que é mantido pelos 3.621 mil cartórios de registros de imóveis do país, em 2024 foram decretadas 314.365 ordens de indisponibilidade de bens no Brasil, número 16,5% maior que as 269.856 restrições de 2022 e 8% maior do que os 291.059 bloqueios de imóveis em 2023.
Desde a publicação do Provimento nº 188 da Corregedoria Nacional de Justiça, em dezembro de 2024, que atualizou o Provimento nº 149, os registradores de imóveis são obrigados a acessar o sistema diariamente e efetuar as indisponibilidades que tenham sido registradas. Isso também representa um ganho de tempo, já que as ordens agora são cumpridas, em até um dia útil.
Ainda de acordo com o provimento, as transações imobiliárias só podem ser averbadas depois de os registradores de imóveis consultarem o sistema. O resultado dessa consulta deverá ser registrado no ato notarial. A indisponibilidade não impede a lavratura de escritura pública, mas as partes precisam ser cientificadas a respeito da ordem e o ato notarial deve registrar a restrição.
Liz Rezende, juíza auxiliar da Corregedoria, conta que os avanços tecnológicos fizeram com que “magistrados, notários, registradores e a própria sociedade passassem a exigir soluções mais ágeis e eficazes”. A possibilidade de atingir um bem específico, afirma ela, vai evitar “questionamentos e sucessivos pedidos de levantamento parcial da indisponibilidade, permitindo que o juiz possa direcionar seu tempo para solução de outras questões que lhe são apresentadas”.
Para a magistratura, o ganho de produtividade é inegável, segundo afirma o juiz federal da Justiça Militar Wendell Petrachim Araújo, que atua na 3ª Circunscrição Judiciária Militar, no Rio Grande do Sul, e participou do período de testes da nova versão do sistema.
“Antes da digitalização, era o advogado da parte que, de forma até braçal, precisava fazer uma varredura dos imóveis que estavam em nome de um possível devedor. Aí o juiz tinha que expedir ofício, passar pela secretaria do tribunal, enviar para o cartório, que então fazia a própria pesquisa. Hoje essa consulta é muito mais segura e eficiente”, diz.
Segundo ele, na Justiça Militar da União, esse tipo de recurso é útil nos processos de crimes de militares das Forças Armadas contra o patrimônio público. Mas Flaviano Galhardo, diretor do ONR, acrescenta que as constrições de bens também são comuns em processos trabalhistas, execuções fiscais e ações de improbidade.
A nova versão também facilita o processo inverso, de liberação do imóvel. Segundo Galhardo, a plataforma permite o encaminhamento da contraordem. O advogado da parte pode informar pelo sistema sobre uma decisão de liberação, e o juiz pode protocolá-la de forma on-line também.
Nesses casos, o cancelamento da indisponibilidade não depende de mandado judicial. “Essa função não existia na versão anterior. Pelo mesmo sistema, é encaminhada a contraordem no caso de quitação da dívida ou no caso de liberação de imóvel”, explica Galhardo.
Para Ricardo Siqueira, do escritório RSSA Advogados, a atualização coloca a penhora de imóveis em um patamar mais avançado até do que o Sisbajud, o sistema de busca de ativos do Judiciário, no critério de razoabilidade do bloqueio.
Ele explica que o Sisbajud emite a ordem de bloqueio para diferentes instituições, e que cada uma delas faz o bloqueio até o limite solicitado, o que ainda permite que a constrição supere o pedido do juiz. E o desbloqueio desse excedente depende de uma nova ordem, o que pode levar meses para acontecer e prejudicar a atividade econômica da empresa.
“Não quer dizer que a digitalização é ruim, pelo contrário, tem-se avançado muito nesse sentido. Mas a penhora dos imóveis agora está um passo à frente do Sisbajud, ao permitir que o juiz seja mais específico. O Sisbajud não permite a liberação automática, o que não faz sentido e ainda pode gerar ações indenizatórias contra o Estado, devido aos danos gerados”, afirma.
Para o futuro, o plano é liberar a consulta sobre a situação dos imóveis não só para os agentes envolvidos no processo judicial, mas também para o público em geral. A mudança ainda precisa passar por regulação junto à Corregedoria Nacional de Justiça.
Segundo Galhardo, a iniciativa será positiva para o mercado, ao aumentar a transparência. “Quem for comprar um imóvel vai poder descobrir com antecedência se existe algum bloqueio sobre ele. Esses dados provavelmente vão entrar nos serviços de proteção ao crédito, o que vai trazer mais transparência e fluidez para os negócios imobiliários”, diz.
Além da disponibilização para o público em geral, o ONR ainda prevê a integração dos dados dos cartórios imobiliários ao Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp). Quando a plataforma estiver nesse ambiente, o acesso será realizado nas formas de autenticação autorizadas pela plataforma.
Fonte: Valor Econômico