A Emenda Constitucional 132, aprovada em dezembro de 2023, promulgou a Reforma Tributária, cujo principal efeito é a substituição gradual ao longo dos próximos anos (com início em 2026 e conclusão em 2032) de cinco tributos – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – por um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. A CBS substituirá o PIS, o IPI e o Cofins, enquanto o IBS entrará no lugar do ICMS (estadual) e do ISS (municipal). Estima-se que o valor do modelo brasileiro de IVA dual seja de 26,5%.
- Com relação à Reforma Tributária, indo direto ao ponto, ela representa o fim do contencioso tributário?
Acredito que o primeiro ponto que deva ser abordado é o seguinte: quando se fala da Reforma Tributária, imaginamos uma redução ou quase extinção do contencioso tributário.
Com o avanço dessa reforma, estamos percebendo que não será assim. Na verdade, na fase de transição, parece-nos que teremos um avanço no contencioso tributário. A nova sistemática não deve ser tão simples quanto se imaginava e deve acarretar discussões interpretativas que levarão a novas discussões tributárias.
Neste ponto, perdemos um momento importante para uma simplificação genuína do sistema, pois não é isso que teremos. Então as empresas devem desde já contratar uma equipe, ou separar parte de sua equipe, para iniciar os estudos e preparar-se para as mudanças que virão, no aspecto do direito material e com reflexos diretos no direito processual.
No mundo inteiro, fala-se em racionalização do direito. A ideia é a uniformização das decisões, evitando-se ao máximo a insegurança jurídica. Mas, no Brasil, na prática, com relação ao IBS, teremos 27 tribunais locais julgando a mesma matéria, então é difícil falar em harmonização sem um dispositivo que expressamente preveja, de maneira célere, a solução de conflitos.
Atualmente, quem dirime esses conflitos são os tribunais superiores, STJ e STF, por meio dos recursos repetitivos e com repercussão geral, mas este modelo não dá a dinâmica necessária para a simplificação do sistema.
Então, respondendo, ao questionamento inicial, não nos parece que será o fim do contencioso tributário; ao contrário, no período de transição, devemos ter um acréscimo dos litígios, o que é uma pena, por isso as empresas precisam estar atentas à proteção do seu direito.
- Haverá mudanças também na parte processual tributária? Como estão vendo essas alterações?
Pelo projeto de lei que está sendo votado, provavelmente o CARF deve ser mantido como órgão administrativo que julga matéria tributária no âmbito federal (e isso é muito bom), pois trata-se de um órgão de excelência, com estrutura já montada e reconhecida capacidade dos seus julgadores.
Mas será necessária a criação e regulamentação de um órgão novo que vai dirimir as controvérsias relativas ao IBS.
É preciso deixar claro que, ao contrário da CBS, que já vai encontrar o CARF aparelhado e preparado, o IBS enfrentará um cenário todo novo, em termos de necessidade de uma nova estrutura (e os erros e acertos naturais do início de um novo procedimento) e até mesmo de material humano.
O CARF, durante o tempo de transição, provavelmente vai conciliar todas as discussões, que hoje são atuais, mas que serão parte do regime passado, como também as questões relacionadas à CBS.
O novo órgão criado para cuidar do IBS ficará com os casos novos, e deveremos ter a manutenção dos órgãos fiscais municipais e estaduais até que ocorra a completa transição.
- Teremos um órgão único e centralizado para julgar matérias tributárias, como ocorre em outros países?
Este é um questionamento fundamental, e a princípio a resposta é negativa. Tivemos importantes debates e diversas vozes influentes do direito tributário defendendo um único órgão especializado para dirimir matéria tributária.
Mas – com as peculiaridades da nossa Reforma Tributária e do chamado IVA dual, bem como em razão do pacto federativo e das divisões de competência expressamente previstas na Constituição Federal (CF) – caminhamos para que haja dois órgãos administrativos de julgamento administrativo, um para tratar do IBS e outro para tratar da CBS, e, após sua judicialização, para os órgãos fazendários, como já ocorre atualmente.
- Existe algum ponto de atenção com relação à parte processual da Reforma Tributária para o qual caiba um destaque especial?
Bem, existem vários, mas há um ponto muito relevante e que parece estar passando despercebido: o artigo 109, inciso I da CF não foi modificado, e, dessa forma, a competência da Justiça Federal permitirá apenas o julgamento da CBS, mas não do IBS.
Então, podemos imaginar que, continuando dessa forma, com relação ao IBS teremos 27 tribunais de justiça julgando o seu contencioso, com o diferencial de que o IBS terá a sua tributação no destino, o que também poderá causar divergências de interpretação e aplicação das normas entre estados e municípios envolvidos com o mesmo fato gerador.
Outro ponto relevante é que, junto com a criação do Comitê Gestor, muito se fala em harmonização dos entendimentos. Mas na prática, por enquanto, fica difícil imaginar uma harmonização onde podem existir entendimentos divergentes entre os que julgarão o IBS e os que julgarão a CBS, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial.
- Concluindo, e retornando ao título do questionamento, por que dizer que os aspectos tributários podem ser considerados o patinho feio da Reforma?
Porque, até o momento, os artigos que tratam da Reforma são tímidos. A tão almejada harmonização da jurisprudência carece de artigos infraconstitucionais que melhor regulamentem essa parte e a tornem possível na prática.
A busca mundial é por uma racionalização e harmonização na aplicação do arcabouço de jurisprudências de forma a dirimir conflitos com tantas lacunas existentes.
Cabe destacar que na esfera administrativa são poucas as normas que regulamentam o assunto, no entanto, pior será na esfera judicial, na qual inexistem alterações legislativas adaptativas e necessárias para o novo sistema.
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